A GUARÂNIA DO ENGANO Chiqui Avalos (*)
Como num verso célebre de meu inesquecível amigo Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, alguns governos latino-americanos redescobrem o velho e sofrido Paraguay e resolvem salvar uma democracia que teria sido ferida de morte com a queda de seu presidente. Começa aí um engano, uma sucessão de enganos, mentiras e desilusões, em proporção e intensidade que bem serve a que se companha uma melodiosa guarânia, mas de gosto extremamente duvidoso.
Sucedem-se
fatos bizarros na vida das nações em pleno século XXI. Uma leva de chanceleres,
saídos da espetaculosa e improdutiva Rio+20, desembarca de outra leva de
imponentes jatos oficiais no início da madrugada de um incomum inverno, e -
quem sabe estimulados pela baixa temperatura - se comportam com a mesma frieza
com que a “Tríplice Aliança” dizimou centenas de milhares de guaranis numa
guerra que arrasou a mais desenvolvida potência industrial da América Latina.
Surpresos?
Pois, sim, não é para menos. Éramos ricos, muito ricos, industrializados,
avançados, educados, cultos, europeizados, amantes das artes, dos livros, das
óperas, do desenvolvimento. Nossos antepassados brilharam na Sorbonne e
assinaram tratados acadêmicos, descobertas científicas ou apurados ensaios
literários. A menção de nossa origem não provocava o deboche ou ironia tão
costumeiros nos dias tristes de hoje, mas profundas admiração e curiosidade dos
que acompanhavam nossa trajetória como Nação vencedora. Não ficamos célebres
como contrabandistas ou traficantes, mas como povo empreendedor e progressista.
A organização de nossa sociedade, a intensa vida cultura, o progresso econômico
irrefreável, a bela arquitetura de nossas cidades, nossos museus e livrarias, a
invulgar formação cultural de nossa elite, a dignidade com que viviam nossos
irmãos mais pobres (sem miséria ou fome) impressionavam e merecem o registro
histórico. A rainha Vitória, que não destinou ao resto do mundo a mesma
sabedoria com que governou e marcaria para sempre a história do Reino Unido,
armou três mercenários e eles dizimaram a potência que, com sua farta e boa
produção e espírito desbravador, tomava o mercado da antiga potência colonial
aqui, do lado de baixo do Equador. Brasil, Argentina e Uruguay, como soldados
da Confederação, nos arrasaram. Nossos campos foram adubados pelos corpos de nossos
irmãos em decomposição, decapitados à ponta de sabre e com requintes de
sadismo. O Conde D’Eu, marido de quem libertaria os negros da escravidão e
entraria para a história do Brasil, comandava pessoal e airosamente o massacre.
Os historiadores, essa gente bisbilhoteira e necessária, registraram seu
apurado esmero e indisfarçável prazer. O nefasto delegado Sérgio Fleury teve um
precursor com quase um século de antecedência...
Nossas
cidades terminaram por ser habitadas por populações majoritariamente compostas
de mulheres e crianças. Poucos homens restaram do genocídio perpetrado. Pedro
II, que marcaria a história do Brasil por sua honradez, comportou-se de forma
impressionante nessa obscura página da história do Brasil, mas inversamente
conhecidíssima na história de meu país: não moveu uma palha ou disse palavra
acerca do sadismo de seu genro criminoso. Documentos por mim revirados no
Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, mostram a assinatura do velho Imperador
autorizando a compra de barcos, chatas, cavalos e tudo o que fosse necessário
para uma caçada de vida ou morte (mais de morte, certamente) à Lopez. Não
bastava derrotar o déspota esclarecido, o republicano que os humilhava, o que
havia desafiado todos os impérios, o da Inglaterra, o do Brasil, o da Espanha...
Era preciso assinar seu epitáfio e esculpir sua lápide. E assim foi feito.
Derrotados,
nunca mais fomos os mesmos. Passamos a ser conhecidos por uma República já
bicentenária, mas atrasada em comparação aos vizinhos. Enfrentamos uma guerra
cruel com a Bolívia na primeira metade do século passado. Roubaram-nos
importante faixa territorial do Chaco, região paradoxalmente inóspita e
riquíssima. Ganhamos a guerra. Nossos soldados mostraram a valentia e
patriotismo que brasileiros, uruguaios e argentinos bem conheceram mais de meio
século antes. Nossa incipiente aviação militar e seus jovens pilotos
assombraram os experts norte-americanos pela refinada técnica e o sucesso de
suas ações contra o agressor. Mas numa história prenhe de ironias, vencemos a guerra
e... jamais recuperamos as terras! Os bolivianos, que jamais olham nos olhos
nem das pessoas nem da história, certamente se rejubilam em sua “andina
soledad”, e como os argentinos depois da inexplicável Guerra das Malvinas,
sabem-se “vice-campeones”...
Mal saímos
da Guerra do Chaco e experimentamos a mesma e usual crônica tão comum a
rigorosamente todos os outros países latino-americanos. Golpes e contra-golpes,
instantes de democracia e hibernações em ditaduras ferrenhas. Presidentes se
sucederam despachando no belíssimo Palácio de Lopez e vivendo na vetusta mansão
de Mburuvicha Roga (“A casa do grande chefe”, em guarani). Uns razoáveis,
outros deploráveis. Nenhum deles, entretanto, recuperou a glória perdida dos
anos de riqueza, opulência e fartura.
Um herói da Guerra do Chaco tornou-se
ditador e nos oprimiu por mais de três décadas. Homem duro, mas de hábitos
espartanos e por demais interessante, o multifacético Alfredo Stroessner não
recusou o papel menor de tirano, mas construiu com o Brasil a estupenda
hidrelétrica de Itaipu, a maior obra de engenharia de seu tempo, salvando o
Brasil de previsível hecatombe energética. Foi parceiro e amigo de todos os
presidentes do Brasil de JK a Sarney. Com os militares pós-64 deu-se às mil
maravilhas, mas foi de suas mãos que o exilado João Goulart recebeu o
passaporte com que viajaria para tratar sua saúde com cardiologistas franceses.
Deposto, o velho ditador morreu no exílio, no Brasil. Nós que o combatíamos
(nasci em Buenos Aires, onde meu pai, empresário de sucesso mas adversário da
ditadura, curtia seu exílio) jamais soubemos de ação qualquer, uma que fosse,
do Brasil em seus governos democráticos contra a ditadura do general que lhes
deu Itaipu.
Depois de
duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua
história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava
aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem aos fazendeiros da área.
Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem
jornalista eleito pelos colorados, resolve seguir o péssimo exemplo de Menem,
Fujimori e Fernando Henrique, e deixa clara sua vontade de mudar a Constituição
e permanecer no presidência, através do instituto inexistente da reeleição. Seu
governo era mais que sofrível e – descupem-nos a imodéstia latreada em nossa
história – nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta
Magna ao sabor da vontade de presidente algum.
O país se
levantou contra a aventura e ele, o bispo bonachão, justamente por não ser
político e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido
para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas
no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro
cativou a multidão, deu conta do recado e catalisou a imensa indignação da
cidadania. A aventura continuísta de Nicanor não foi bem-sucedida, mas, com a
sutileza de um príncipe da Igreja nos intricados concílios que antecedem a
fumacinha branca no Vaticano, nos aparece um candidato forte à presidência da
República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia
um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.
Seu
primeiro problema foi com a Santa Madre Igreja. O Santa Sé, certamente por
saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, de jeito
algum, ele jamais poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura
do general Stroessner com imensa coragem e ação firme, mas não queria ocupar a
presidência do país. “Roma coluta, causa finita” (“Roma falou, questão
decidida”). Mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou
às costas a quem lhe educou e lhe acolheu no seu seio. Poucos e corajosos
colegas Bispos e padres o apoiaram abertamente. Na última sexta-feira, depois
de três anos sem vê-lo ou serem por ele procurados, esses mesmos amigos e
apoiadores foram até a residência presidencial pedir – em vão – que Lugo
renunciasse à presidência do Paraguay para que se evitasse derramamento de
sangue. O homem seduzido pelo poder disse não com frieza, levantando-se e
despachando aqueles inoportunos portadores da palavra divina.
Candidato
sem partido, entretanto com as simpatias da clara maioria do eleitorado.
Filiou-se, pois, a um partido e o escolhido foi o centenário e respeitável
PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável
bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio
Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua
bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade
paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.
Eleito,
desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou
tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais
qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de
negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas
para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um
homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.
Lugo
poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal,
também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da
“História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal foi eleito e
empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento moral. Filhos
impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos
ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, do
meio rural, humilhadas depois de usadas, uma delas com apenas 16 anos quando da
gravidez. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia? E traiu.
Não passou
um mês sequer durante seus três anos de governo sem que viajasse a um país
qualquer. Com razão ou sem nenhuma, tanto fazia, e lá se ia ele, o alegre
viajante para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem
importância ou relevo para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a
nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com
batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos
do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a
riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande
estancieiro, senhor de terras, plantações e gado. O presidente que tomou posse
calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem
vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou,
passou a envergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas à alfaiates da
celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No
detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos. Afeiçoou-se a
lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a imensa banheira
Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas
delas o precediam mundo afora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios,
nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi
auspiciava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo a prostitutas.
Sua
afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de
seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros
países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outros emprestados sabe-se
lá por uns tais e misteriosos amigos. Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek,
fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu
vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente: a poderosa
binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream estaria de bom
tamanho, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele
precisava ardentemente de um jato para chamar de seu. Depois mandou que o
comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha.
Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo. Por
fim, nos estertores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado
mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um
escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de
fábrica...
Obras
viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou
nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de
empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro
da economia, Dionísio Borda, que destoou da regra geral do governo Lugo:
competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que
o cercava. A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos
foros empresariais, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova
história de mais uma negociata dos assessores e companheiros de Lugo.
Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se
roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de
três anos). Já com Lugo deposto, seu secretário mais forte, Miguel Lopez Perito,
telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para
organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores,
"na mala", por fora, não contabilizado, no "caixa 2". Que
tal? Fato tornado público por um diretor da binacional e revelador do
modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.
Seu
processo de “Juízo Político” – algo como um processo de impeachment – está
previsto na Constituição do Paraguay, e não foi uma travessura histórica de
meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares revidando as descortesias de
Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos. Que tipo de
presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1
solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos
contrários no Senado contra apenas 4 de senadores fiéis ao seu desgoverno? Não
teve tempo, apenas duas horas para defender-se, dizem. Ora, a Constituição não
determina tempo, apenas assegura-lhe o direito de defesa, exercido através de
competentíssimos advogados, que fizeram exposições brilhantes na defesa do
indefensável. Um deles, Dr. Adolfo Ferreiro, admitiu claramente que o processo
era legal. De outro, Dr. Emilio Camacho, em imponente ironia da história, os
magistrados da Suprema Corte extraíram em um de seus celebrados livros aqueles
ensinamentos necessários e a devida jurisprudência para rechaçar chicana
jurídica do já ex-presidente contra o processo legal, constitucional e moral
que o defenestrou. C’est la vie, Monsieur Lugo!
Em
Curuguaty, num despejo de terras ocupadas pelos "carperos" (os
sem-terra daquí), dezenas de mortes de ambos os lados. Lugo e seu ministro do
interior, o belicoso senador Carlos Filizzola, foram avisados de que havia uma
emboscada pronta para as forças militares. Com a empáfia e a absoluta
irresponsabilidade que os caracterizou do primeiro ao último dia, e fiel aos
amigos que manejam o MST daquí e infernizam a vida de nossos produtores rurais
(entre os quais os 350 mil brasileiros que aquí plantam, colhem e vivem, nossos
irmãos "brasiguayos"), ambos ordenaram a ação que se tornou uma
tragédia na história de nosso país. Poderia citar, também, o EPP (Exército do
Povo Paraguaio), guerrilha formada por terroristas intimamente ligados a Lugo
em seus tempos no bispado de San Pedro. Jamais as forças de segurança puderam
fazer nada contra eles. Mapeados, identificados, monitorados e livres! Lugo se
manteve fiel aos bandidos pelos quais mostra clara e pública afeição. Como o
respeitado Belaúnde Terry, no Perú, que permitiu com seu
"democratismo" o crescimento do terror representado pelo Sendero
Luminoso de Abimael Guzmán, o nada respeitável Lugo é o pai e a mãe do EPP.
Fernando
Lugo foi um acidente em nossa história. Necessário, mas sofrido. Seus defeitos
superaram suas virtudes. Aqueles eram muitos, essas muito poucas. Nós que nele
votamos, sequiosos de um Estadista, nos deparamos com um sibarita. Seu legado é
de decepção e fracasso. Não choraram por ele dentro de nossas fronteiras, e os
que o defendem foram delas o fazem muito mais pensando no que lhes pode ocorrer
do que por solidariedade ao desfrutável governante e desprezível homúnculo que
cai.
O fim de
seu governo dói mais a um já dolorido Chávez do que a nós. A Senhora Kirchner,
radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante
e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez
acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas
oportunista e sabendo que se abriu o precedente para que os parlamentos
expulsem os incapazes. Na Bolívia o sentimento popular em relação ao sectário e
também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por
Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá
tocar as badaladas do fim de uma aventura mais que improdutiva: raivosa,
racista e liberticida.
Não
compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem
que lhe queremos. Nos arrasou como sicário da Rainha Vitória e nós lhe
perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. O tratamos bem e ele
defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história, em nome do
quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo
que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos
somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e
democrático quanto Pinochet.
Foi
deplorável o papel do inexpressivo chanceler Patriota (que não se perca pelo
nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos
partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia.
Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para
ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava. Indo ao
vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez,
desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a
nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça
não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do
Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de
hoje.
O que quer
o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se
afirmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de
continuar uma parceria que se revelou positiva e decente para ambos os países.
Mas não sentimos ou temos pela austera presidente o mesmo terror-medo-pânico
que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas
corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o
mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um
ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. O Embaixador
Eduardo Santos é tido no Paraguay como alguém que acredita que as três melhores
coisas em nosso país são ar condicionado e passagem de volta. Recorda o
ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989
pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na
época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento,
menos o embaixador brasileiro, que descansava no carnaval de Curitiba, sua
cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner
rumo ao Brasil. E a Argentina... Bem, a Argentina não tem embaixador no
Paraguay faz alguns meses... Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu
substituto. País de necrófilos (amam Gardel, Che, Evita e Maradona, dentre outros
defuntos), chamou um embaixador que não existe, um diplomata fantasma, até a
Casa Rosada para consultas.
O Paraguay
fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações,
testadas e curtidas pelas crises que retemperam a cidadania e reforçam a
nacionalidade. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e
traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos
votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por
ineficiente, por desonesto. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de
um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram. E, por isso, Lugo não
voltará.
(*) Chiqui Avalos é
conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e
apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É o editor de "Prensa
Confidencial", influente boletim digital editado no Paraguai.