Inflado? Nos últimos dois anos, muito dinheiro foi investido no estágio inicial das startups brasileiras, que agora precisam mostrar resultados para receber outras rodadas. Mas nem todas vão conseguir. Isso reduz o otimismo e afeta o mercado. É motivo de preocupação?
Em 2012, pela primeira vez, o
Brasil recebeu um dos maiores eventos de empreendedorismo do mundo. Em um hotel
no Rio de Janeiro, os pouco mais de 100 participantes do Founders Forum se
reuniram para falar sobre o cenário de startups no país. Em meio a muita água
de coco para aplacar o calor, a mensagem final do encontro foi clara:
investidores, venham para o Brasil! O cenário econômico era favorável, o número
de usuários de internet só crescia e havia muito espaço para serviços já
adotados nos Estados Unidos e na Europa.
Um ano depois, em março de 2013, o
mesmo grupo de investidores e empreendedores participou da segunda edição do
evento. Mas, fora o calor, pouca coisa parecia igual. A certeza deu lugar ao
debate e às dúvidas sobre se investir no país ainda é uma alternativa tão boa.
Não houve consenso, e uma luz amarela acendeu no ecossistema do
empreendedorismo brasileiro.
Seguimos por aqui os moldes do Vale
do Silício, que há décadas transforma pequenas empresas de garagem em gigantes
como Google e Facebook. Sua base são os diferentes tipos de investidores
privados que atuam como combustível para os novos negócios. Eles têm como
objetivo injetar dinheiro em empresas com potencial para crescer e então lucrar
quando venderem suas participações no futuro. Investidores que colocaram seu
dinheiro no Instagram, por exemplo, tiveram retorno em pouquíssimo tempo. Em
2011, o aplicativo de fotos arrecadou 500 mil dólares de um grupo de investidores-anjo, pessoas físicas que
apostam seus dólares nos estágios iniciais de uma startup. Alguns meses
depois, com a popularidade do app, outras rodadas de investimentos totalizaram
57 milhões de dólares. No ano passado, a empresa foi comprada pelo Facebook por
1 bilhão de dólares, e todos saíram ganhando.
No Brasil, esse modelo de
empreendedorismo digital começou a ganhar destaque nos últimos dois anos. Em
2012, estima-se que 850 milhões de dólares tenham sido investidos em empresas
iniciantes de base tecnológica. É uma ótima notícia, não fosse o fato de que
especialistas começaram a se perguntar se não teria dinheiro de mais no
mercado. “Existe a percepção geral de que nos últimos dois anos as startups
foram inflacionadas em seu estágio inicial”, diz Ariel Muslera, conselheiro da
Associação de Venture Capital da América Latina (Lavca).
Havia a clara sensação de que uma
bolha começava a se formar. “Há um ano, estava uma loucura”, diz Nicolas
Gautier, suíço que comandou o fundo Mountain do Brasil de outubro de 2011 a
março de 2013. “As pessoas apareciam com
uma ideia em uma apresentação de PowerPoint e achavam que a empresa valia 10
milhões de dólares”, diz Gautier. E encontravam alguém disposto a bancar.
O último relatório sobre fundos de
venture capital (VC) no país divulgado pela Lavca aponta que, de 2008 a 2010,
os investimentos em empresas em seu estágio inicial representavam, em média, 8%
do total. De 2011 a 2012, chegaram a 30%. O crescimento se deu, em grande
parte, pela entrada de novos investidores no mercado brasileiro.
“O Brasil passou por um período de
dormência e, de repente, todo mundo acordou e percebeu que o país já tinha uma
grande massa de usuários e uma carência de serviços”, afirma Anderson Thees, do
fundo Redpoint e.Ventures. Criado no início de 2012, o fundo colocará 130
milhões de dólares em 18 empresas ao longo de cinco anos. Outros 49 fundos de
venture capital investiram no Brasil no ano passado, segundo um levantamento do
laboratório de empreendedorismo do MIT.
“Com a chegada dos fundos, houve um
período em que havia mais dinheiro do que boas oportunidades de investimento.
Daí os valuations ficaram mais altos”, diz Muslera. No jargão dos investidores,
valuation é o valor atribuído a uma startup. A quantidade de dinheiro que um
investidor colocará depende desse número, que reflete não apenas o que a
empresa gera hoje mais quanto poderá gerar no futuro. Um exemplo: em 2009, três
anos após seu lançamento, o Twitter recebeu 100 milhões em investimentos e teve
o valuation estimado em 1 bilhão de dólares. Embora ainda não faturasse um
centavo, seu trunfo era o número crescente de usuários: quase 25 milhões.
Para chegar a esses valores, os
investidores do Twitter avaliaram não somente a popularidade do serviço mas
também alguns itens intangíveis, como a qualidade de seus fundadores e o
potencial de mercado. Muito importante também foi a comparação com outras
startups.
No Brasil, por falta de referência, empreendedores e investidores
acabam usando dados de outros mercados, especialmente o americano, para se
balizar. Mas isso nem sempre funciona. “Lá fora tudo é maior, do volume de
startups ao dinheiro dos investidores. Além disso, o mercado gira mais rápido.
Não dá para comparar”, diz Natalia Monteiro, sócia-fundadora da Zuggi,
plataforma que combina buscador com conteúdo educacional para crianças. Natalia
tem bons motivos para pensar assim. Há dois anos, quando foi captar
investimentos, seu benchmark era a americana Kid Zui, que havia conseguido mais
de 14 bilhões de dólares nas rodadas iniciais. Alguns meses depois, no entanto,
a startup se mostrou incapaz de corresponder às expectativas. “O Kid Zui não
cresceu o esperado e precisou diversificar, lançando mais produtos”, diz
Natalia. A Zuggi fechou uma quantia mais
modesta com um grupo de investidores-anjo e estruturou o crescimento num ritmo
mais adequado ao Brasil.
O maior exemplo de nem sempre
modelos que estouram lá fora serão sucesso por aqui é o dos sites de compras
coletivas, que se espelharam no americano Groupon. Lançado em 2008, o serviço
teve uma escalada vertiginosa e chegou a 150 países. Em 2011, abriu o capital e
arrecadou 700 milhões de dólares, com valor de mercado de 12,7 bilhões de
dólares.
Na época, surgiram no Brasil mais
de mil sites desse tipo, com o Peixe Urbano na liderança. Um ano depois, o
Groupon viu seu valor despencar para 2,5 bilhões de dólares. Por aqui, a
maioria fechou e o Peixe Urbano luta para manter sua operação. Demitiu mais de
200 colaboradores e partiu para a diversificação. “Começamos a investir em
novos segmentos”, disse Julio Vasconcellos, presidente da empresa.
No Brasil, os custos de contratação
de funcionários, a burocracia e os problemas de logística são os mais citados
pelos empreendedores como entraves. “Aqui,
qualquer e-commerce depende dos Correios”, diz Bruno Ballardie,co-fundador da
eÓtica, serviço que vende óculos e lentes de contato pela internet. “Se há uma
greve dos Correios, tudo trava. Além disso, uma quantidade grande de produtos é
roubada no processo de distribuição”, afirma.
Foi por acreditar que os
investidores não conhecem a realidade de nosso mercado que Paula Guedes optou
por não levantar capital para sua startup, a Altz, uma espécie de LinkeIn para
recém-formados, que é mantida com recursos próprios. É um privilégio que poucos
empreendedores têm, mas que Paula acredita ser importante no momento. “Existe
uma assimetria de conhecimento e de expectativas entre empreendores e
investidores no mercado brasileiro”, diz Paula, que por quatro anos trabalhou nos
Estados Unidos. “Quando isso acontece, é natural que a empresa consiga levantar
capital em valuations altíssimos, mas depois terá dificuldades”.
O risco apontado por Paula foi
descrito no relatório Brazil VC Ecosystem Study, elaborado pelo MIT, Diz o estudo:
a grande quantidade de dinheiro investido em startups no estágio inicial pode
estar criando um buraco de recursos, e muitas startups não conseguirão levantar
uma próxima rodada de investimentos.
Isso acontece porque a lógica do
mercado é simples: quem investiu quer lucrar. “Quando uma startup recebe 10
milhões de reais, eles servem para financiar uma meta de crescimento”, diz
Pedro Waengertner, fundador da Aceleratech. Se a meta não é atingida, outro investidor não verá sentido em colocar
mais dinheiro no negócio. Esse cenário é fatal. “As startups de internet
não conseguem se sustentar sem investimento”, diz Francisco Jardim, gestor do
Fundo Criatec. “Elas consomem muito caixa para ganhar mercado e dependem de
novas rodadas”.
As consequências desse processo
devem começar a aparecer em breve. “Veremos negócios fechando e outros
diminuindo seu valor”, diz Nicolas Gautier. “Mas esse processo faz parte do
ciclo natural de amadurecimento”. O Vale
do Silício é famoso por ter mais casos de fracasso do que de sucesso. E os que
falham recomeçam mais fortes e experientes. E com mais facilidade para
conquistar investidores. Esse pode ser o próximo passo para o Brasil.
(fonte: INFO - maio/2013)
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