quarta-feira, 6 de julho de 2011

O MINISTRO DOS TRANSPORTES E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

               Segundo o noticiário, há fortes sinais da iminente exoneração do Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, por conta da corrupção que campeia no ministério e órgãos afins e da recente revelação do fabuloso crescimento do patrimônio do filho do ministro – outro "craque" empresarial como o filho do ex-presidente Lula.

                Então, antes que tenhamos que chutar cachorro morto, vamos analisar aqui se o ministro-político tem direito a presunção de inocência, como de resto o têm os cidadãos comuns. Esse direito lhe foi concedido implicitamente pela presidente Dilma ao demitir os auxiliares do ministro e manter este à frente do ministério até a eventual formação de culpa.
                Pelo que foi noticiado até agora, as circunstâncias e os indícios apontam para o envolvimento do ministro, de modo que a presidente errou em não demití-lo prontamente.
                Em situações como essa, os homens públicos não podem usar a presunção de inocência como biombo para manterem-se no cargo e a salvo de especulações. Deles exige-se explicações convincentes de imediato, sem direito ao mutismo e ao silêncio obstinado.
                Vamos a um pouco de História.
 Tout homme étant presumé inocent jusqu’a ce qu’il ait declaré culpable (“Presume-se inocente todo homem, até que seja declarado culpado”). Originalmente criada pela Declaração Francesa dos Direitos do Homem de 1791 e depois incorporada à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a presunção de inocência é princípio consagrado no ordenamento jurídico de todas as democracias.
                No Brasil, está previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
                De modo geral e apesar da clareza do texto constitucional, não raro se vê uma mínima suspeita determinando o linchamento moral de cidadãos comuns. E, por razões inerentes à própria atividade, é a imprensa o principal veículo para a aplicação da Lei de Lynch. Também é fato que uma boa parcela dela, fiel à regra jornalística de que “o nome faz a notícia”, não se constrange em servir os que fazem da infâmia verdadeira arma contra os desafetos.
                Esse vício dos meios de comunicação não é produto da modernidade e é de difícil correção.
                Começou há quatro séculos com Pietro Aretino, que se utilizava de panfletos para satirizar e difamar os cardeais que deliberavam a escolha do sucessor do papa Leão X. O temor e o estrago causados pelos seus pasquins proporcionaram imensa fortuna a Aretino.
                Na Inglaterra, o denuncismo difamatório causou a ruína dos Stuarts e serviu de forte apelo para a revolução inglesa de 1688. Até hoje é praticado com ferocidade na cobertura jornalística da família real.
         Na França, onde teve seu campo mais fértil, a infâmia era classificada, pela sua natureza, em fofoca (on-dit), boato (nouvelles de bouche) e difamação propriamente dita (mauvais propos ou bruis publics). Como arma política, foi largamente utilizada por Maquiavel e Richelieu durante o período absolutista e muito contribuiu tanto para a sustentação da realeza quanto para o desmoronamento da monarquia.
         Não é de estranhar, por isso mesmo, que foram os franceses os primeiros a sentir a necessidade de um freio no julgamento antecipado do cidadão, e o fizeram alçando a presunção de inocência à condição de direito fundamental do indivíduo.
         Mas como toda regra comporta exceções, não se pode ter a presunção de inocência como direito tão absoluto a ponto de impedir a apuração nem a divulgação de suspeitas de ilegalidade. Tanto não é, que a nossa ordem jurídica impõe-lhe contrapesos, permitindo a prisão cautelar do simples suspeito.
         A não ser assim, o status de inocência transforma-se em verdadeiro estímulo à delinquência e, em última análise, num insulto à sociedade, como vem ocorrendo nos casos de suspeita de improbidade divulgados nos tempos atuais e em outros não muito remotos. A invocação desse direito tem sido tão recorrente que é possível prevê-la como passo seguinte à divulgação de cada escândalo político e muitas vezes é acompanhada do emprego da tática fascista de desqualificação do acusador, quando conhecido.
                A julgar pelos precedentes que se conhece, a estratégia infelizmente dá resultado.
        É verdade que o denuncismo fácil e irresponsável, quase sempre aniquilador da honra alheia, já está definitivamente enraizado na nossa cultura. Mas nem por isto é possível admitir que o status de inocência se transforme em obstáculo intransponível para o esclarecimento dos fatos ou mesmo para uma especulação sadia e comedida por parte da sociedade e dos seus meios de comunicação.
        Principalmente por que não se pode reconhecer no homem público a ingenuidade do homem comum. Nessas situações, onde os limites entre o ato legítimo e a ação improba são sempre obscuros e pouco definidos, a presunção de inocência deve ser vista com temperamentos de modo a que se possa aceitar a suspeição como legítima figura intermediária entre dois extremos: culpabilidade e inocência.
        De resto, é direito-dever da sociedade manter-se vigilante e buscar descobrir o quê de real existe debaixo da costumeira retórica dos homens públicos, lembrando sempre que os arroubos de veemência moral e cívica não impede alguém de sujar as próprias mãos. Como dizia o pensador francês La Rochefoucauld, “as virtudes perdem-se no interesse como os rios se perdem no mar”.

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