Durante a prestação jurisdicional, principal objetivo de sua função institucional, o juiz não age sozinho, pois depende recorrentemente de auxiliares, alguns com atribuições delegadas e outros com atribuições legais nas quais não podem ser substituídos nem pelo próprio magistrado.
Denominados "Auxiliares da Justiça", alguns tiveram as suas obrigações e prerrogativas expressamente previstas em todos os cadernos processuais brasileiros, inclusive no Código de Processo Civil atual (instituído pela Lei nº 5.869, de 11.01.1973), como é o caso dos serventuários, oficiais de justiça, peritos, depositários, administradores, intérpretes, partidores, distribuidores e porteiros.
Do bom cumprimento das atribuições dessa linha auxiliar depende em boa medida a celeridade e a correição da prestação jurisdicional, que inclusive pode em muitas situações ficar irremediavelmente comprometida por falha ou vício de atuação dos auxiliares judiciários.
E se assim é, essas funções somente poderiam ser exercidas por indivíduos habilitados e plenamente capacitados, preferencialmente com experiência comprovada, o que, infelizmente, não é o que ocorre no Judiciário brasileiro.
O caso do perito judicial é seguramente a situação mais grave, pois para o exercício da função é suficiente a habilitação legal (engenheiro, médico, contador etc), não tendo o juiz como conhecer a priori a capacitação de fato do profissional nomeado.
Como os peritos geralmente não são pessoas versadas em direito processual, os laudos e conclusões periciais que produzem acabam invariavelmente por não elucidar os fatos técnicos controvertidos, ora por que não conseguiram pinçá-los dos autos do processo, ora por não tê-los apreendido ou interpretado corretamente. Situação ainda pior é aquela em que o resultado é enganosamente técnico ou primariamente científico, imaginando o profissional que para dirimir a controvérsia basta emitir mera opinião pessoal amparada em expressões tecnicamente herméticas ou mesmo ininteligíveis.
É verdade que o juiz e os litigantes podem solicitar esclarecimentos ao perito, apresentar quesitos suplementares e até demandar pela realização de novo exame pericial, mas a prática tem demonstrado a inutilidade dessas providências: o fato técnico quase sempre continua controvertido e o julgador termina por incorporar a conclusão pericial à sentença judicial.
Surge daí uma questão da maior relevância, mas lamentavelmente pouco abordada na doutrina, que é definir qual a conseqüência jurídica resultante de uma sentença judicial que assumiu como razão de decidir uma conclusão pericial viciada na sua origem.
O principal escopo deste trabalho será a abordagem dos vícios mais comuns encontrados em laudos periciais e das conseqüências jurídicas que podem advir de algumas situações. Abandonou-se, por esta razão, digressões sobre a origem histórica da prova pericial e referências ao direito comparado.
DEVERES E PRERROGATIVAS DO PERITO JUDICIAL
Os deveres e as prerrogativas do perito chamado a atuar em litígio trabalhista são os mencionados nos artigos 422 e 429 do Código de Processo Civil, por força da aplicação supletiva autorizada pelo artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, que é omissa a respeito.
A obrigação de desincumbir-se "escrupulosamente" do encargo, na redação do artigo 422, parece ter menos a ver com escrúpulos no seu sentido moral e mais com escrupulosidade no emprego da melhor técnica disponível para o desenvolvimento do trabalho.
A contrario sensu, ter-se-ia como admissível a nomeação de um profissional sem escrúpulos, inidôneo ou moralmente decaído. A estreita relação entre a noção da escrupulosidade mencionada naquele dispositivo e a obrigação de atuar segundo parâmetros técnicos e científicos possíveis é reforçada pela possibilidade que o artigo 424-I abre para substituição do louvado que não detiver suficiente conhecimento técnico ou científico.
Certo isto, os poucos profissionais que aceitam o munus — geralmente mal remunerado — são merecedores de encômios, mas não podem opor a modesta remuneração como justificativa para a produção de trabalhos periciais pífios ou enganosamente técnicos, pois o destinatário principal dessa prova relevante é, antes dos litigantes, o órgão julgador que dela necessita por carecer, em tese, de conhecimento técnico para prova de fato que não possa ser esclarecido por outros meios.
Tanto mais que para o desempenho de sua elevada função o perito judicial, que recorrentemente não pertence aos quadros da administração pública, tem à sua disposição um arsenal formidável de prerrogativas legais muito raramente delegadas a profissionais autônomos.
Decorre daí a obrigação natural do profissional nomeado de optar por duas alternativas: (a) escusar-se do encargo se entender que não detém conhecimento técnico ou científico suficientes ou (b) julgando-se apto, desincumbir-se escrupulosamente da missão, ciente de que o seu trabalho é da maior relevância para que o julgador chegue pelo menos à certeza provável do fato técnico controvertido.
O que não pode é se limitar a responder a quesitos formulados pela parte ou pelo juiz, como frequentemente se observa na prática forense. Tem a obrigação indeclinável de elucidar a controvérsia com a utilização de todos os meios técnicos e científicos necessários e das extensas prerrogativas que a lei lhe comete: ouvir testemunhas, obter informações e documentos que estiverem em poder dos litigantes ou de órgãos públicos etc.
Não se pode esquecer que a nomeação de perito judicial adequado para cada caso concreto é dever do magistrado, embora isto nem sempre seja possível dada a carência de profissionais disponíveis. Sobre o dever de acerto na escolha, Reinaldo Pinto Alberto Filho discorre com notável precisão:
Grande responsabilidade possui o magistrado na escolha do nome para realização da prova técnica, evitando sempre transformar as nomeações sucessivas em forma empregatícia ou exclusiva de lucros ao beneficiado.Conditio sine qua non é o especial conhecimento técnico voltado ao fato em análise, além da idoneidade e dos demais requisitos supramencionados.
Relevante, como tem, aliás, ocorrido, que os Juízes, evitem "imensas listas", com os mais variados nomes de profissionais, para indicação como peritos, elidindo pedidos de terceiros influentes, como forma de "emprego formal", pois, via de regra, a maioria não possui cursos especializados no tema e, pior, qualificação para o fato concreto sub examen.Evita-se, com tal cautela, a eventual apresentação de laudo discutível, seguido de acertadas impugnações das partes, motivando repetidos esclarecimentos do Louvado, vez por outra, adequando e corrigindo "equívocos" técnicos, comprometendo a célere e precisa aplicação da Justiça e deixando o Julgador em sérias dificuldades na apreciação do mérito da demanda, frente à fragilidade da prova específica.
DOENÇAS OCUPACIONAIS E NEXO DE CAUSALIDADE
As situações em que mais vicejam trabalhos periciais tecnicamente deficientes são as em que o empregado busca obter do empregador uma compensação pecuniária pelo acometimento de doença incapacitante cuja etiologia, direta ou indireta, atribui ao trabalho que realizou durante a contratualidade.
Como o entendimento predominante, nesses casos, é o de que a responsabilidade civil do empregador é subjetiva, o juiz nomeia um profissional médico (especialista em Medicina do Trabalho) para perito com duas incumbências precípuas: realizar exame físico-clínico no empregado e avaliar a patologia e sua extensão em termos de incapacitação laboral; esclarecer se as tarefas laborais foram responsáveis pelo desencadeamento ou pelo agravamento do quadro mórbido.
As dificuldades surgem exatamente no estabelecimento ou não da relação de causalidade entre a doença e o trabalho, questão recrudescida nas últimas décadas pela alta incidência de injúrias osteomusculares conhecidas por LER/DORT ou simplesmente DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho.
Em substituição à Ordem de Serviço DSS nº 606/1998, em 2003 o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS aprovou e publicou a Instrução Normativa INSS/DC nº 98, que faz uma abordagem renovada das doenças associadas ao trabalho (repetitivo ou não).
É consensual que o novo normativo representou um avanço notável na abordagem de entidades nosológicas mais comuns, algumas já com características epidemiológicas reconhecidas no mundo industrializado.
Mas fica a dever quando, por razões aparentemente econômicas, não expressa claramente a necessidade de exames complementares e de outros meios modernos que deviam suplementar o diagnóstico clínico, excessivamente superestimado.
Neste aspecto a norma não inova e permanece na mesmice quando atribui exclusivamente ao profissional médico a tarefa de estabelecer a relação de causalidade sem atentar que para este fim há muito se tem por imprescindível o interrelacionamento da medicina com outras ciências como a engenharia, a ergonomia, a biomecânica ocupacional, a cinemática e muitas outras, inclusive o próprio Direito, além do concurso igualmente indispensável de exames complementares e outros recursos tecnológicos modernos.
O reumatologista Fernando de Mello Vianna, com marcante atuação como perito-médico na Justiça do Trabalho no Estado de Santa Catarina e alhures, exprime com franqueza ímpar sua preocupação com a omissão normativa:
Há pouco menos de quatro anos, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS aprovou e publicou a Instrução Normativa INSS/DC nº 98/2003, que faz uma abordagem renovada das doenças associadas ao trabalho (repetitivo ou não) — convencionalmente denominadas de LER/DORT (Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho).A norma avançou significativamente no trato dessas síndromes, de caráter epidemiológico já reconhecido no mundo industrializado, com destaque para a abrangência de patologias antes consideradas sem nenhum nexo técnico laboral, para a flexibilização do diagnóstico clínico e para a terapêutica.Mas é visivelmente falha na abordagem dos exames complementares e de outros meios modernos que podem e deveriam servir de suporte para o diagnóstico clínico, injustificadamente privilegiado em detrimento de outras ciências e da tecnologia hoje disponível.Neste aspecto, a norma representa um retrocesso inconcebível ao atribuir ao médico a incumbência exclusiva de apurar o nexo técnico, que no caso de LER/DORT não pode continuar prescindindo do concurso de outras ciências como a engenharia, a biomecânica, a ergonomia, a cinemática etc, e muito menos de exames complementares e de outros recursos tecnológicos, relegados a condição secundária.Se é certo que o diagnóstico das LER/DORT é essencialmente clínico, não é menos correto dizer que ele não é exclusivamente clínico, na medida em que muitos poucos casos dispensarão a coadjuvância de outras ciências.Mesmo com o risco de ferir suscetibilidades corporativas, não há como deixar de reconhecer que o desenvolvimento de tecnologias médicas — da invenção do estetoscópio em 1816 e do Raio-X em 1895 ao instrumental atual (raio laser, informática, robótica, manipulação genética etc) — retirou do diagnóstico clínico a soberania de que gozou até o século XIX, apoiado puramente na semiologia.
A timidez da IN INSS/DC 98/03, neste ponto, tem um viés econômico declarado que é a redução dos custos com exames complementares e afins. Mas é economia mal calculada por que, para citar apenas um exemplo muito comum, foi desperdiçada a oportunidade de solução para a subjetividade dos exames periciais que se propõem a avaliar o nexo técnico trabalho-patologia no âmbito da justiça especializada (Justiça do Trabalho).Embora sendo eu próprio um clínico (reumatologista), sempre que necessário e possível, na função de perito judicial, recorro a laudos cinemáticos produzidos por profissionais especializados em biomecânica, goniometria e ergonomia, o que reduz substancialmente a avaliação subjetiva dos movimentos osteomusculares realizados durante um ciclo de trabalho.Sem a demonstração concreta da existência ou não de nexo técnico entre as tarefas laborais e a patologia, todo laudo pericial — no exemplo citado — estará carregado de uma subjetividade que, em última análise, contaminará a própria decisão judicial, pois retira dos litigantes a possibilidade do contraditório e de ampla defesa, subtraindo-lhes a garantia constitucional do devido processo legal.
Em tais circunstâncias, a produção de trabalhos periciais tecnicamente indigentes é conseqüência previsível e a conclusão pericial, amparada na opinião meramente pessoal do perito judicial, tem assumido foros de verdade incontestável e impeditiva mesmo do exercício do contraditório pelas partes.
Tudo isto em prejuízo de uma prestação jurisdicional desejável, que é a busca, se não da verdade absoluta, pelo menos da certeza provável. O que se observa, então, é a negativa de justa indenização a empregado submetido a trabalho penoso e até desumano, quando não degradante, ou a condenação injusta de empresas ao pagamento de somas vultosas que em alguns casos chegam a inviabilizar a continuidade da sua atividade produtiva.
É generalizado o uso das expressões "concausa" e "agravadora", pelos expertos, para qualificar a atuação de determinada tarefa laboral que por si só não teria potencialidade para desencadear um quadro mórbido inegavelmente congênito ou sem nenhuma relação com o trabalho. Nesse expediente escapista há uma mal dissimulada intenção de não enfrentamento da demonstração técnica in concreto da relação de causalidade.
O lamentável é que, na prática, esse escapismo geralmente passa despercebido ao magistrado, que então incorpora à sentença uma conclusão pericial marcada pela subjetividade e que no fundo não dirimiu a controvérsia técnica.
É esquecido que os atuais mecanismos e métodos de avaliação biomecânica de uma atividade laboral não permitem que um exame pericial tenha suas conclusões limitadas a simples opinião subjetiva de um perito judicial. Deste há que se esperar uma obrigatória demonstração objetiva e técnica da existência ou não da "concausalidade" ou do "agravamento", de modo a que as partes e sobretudo o juiz não fiquem manietados por laudo pericial pífio e tecnicamente desqualificado, situação que muitos jocosamente denominam de "ditadura do diagnóstico clínico".
Isso é muito freqüente nos casos de herniações discais provenientes de uma coluna vertebral tomada por artropatias degenerativas congênitas ou idiopáticas, o que oferece excelente oportunidade para o experto inescrupuloso sustentar com falso tecnicismo a tese da "concausalidade" ou do "agravamento", deixando para as partes a difícil tarefa de se contraporem a um incontornável truísmo: todo movimento executado pela coluna reflete-se diretamente nos corpos vertebrais – o que não significa que comprometa necessariamente o distúrbio instalado, causando muitas vezes mera exacerbação do quadro álgico.
Em primeiro lugar, deve ficar estabelecido que as lesões de discos intervertebrais em parte dos casos são de origem idiopática, isto é, são um processo degenerativo que mesmo sem sobrecarga para a coluna se desenvolve, ou seja, mesmo sem fatores externos desenvolve-se na coluna. Nestes casos aparecem queixas de dores nas costas espontaneamente e valores limites para estes casos têm praticamente nenhuma ação preventiva. Também deve ser salientado que com a idade os discos intervertebrais perdem sua resistência e tornam-se mais suscetíveis a lesões.
Por isto que a conclusão de "concausalidade" ou de "agravamento", no exemplo da coluna vertebral, só é aceitável se seguida de uma avaliação analítica, por parte do perito judicial, dos movimentos realizados com a coluna vertebral ou das cargas impostas aos segmentos vertebrais.
E para uma avaliação técnica digna deste nome, o louvado pode se socorrer de diversos métodos, uns mais sofisticados e outros menos, como os que adotam modelos matemáticos universalmente aceitos e que levam em consideração, antes de tudo, a noção de que as cargas e possíveis injúrias na coluna vertebral são produzidas primariamente pelo próprio peso corporal.
A par de noções elementares de ergonomia, o perito judicial que se aventurar no campo da biomecânica ocupacional não pode desconhecer a fisiologia básica da coluna vertebral, principalmente a circunstância de que as estruturas ligamentosas ao seu redor é que determinam a sua estabilidade intrínseca e que todos os ligamentos, exceto o ligamento amarelo (flavim), têm conteúdo altamente colágeno, os quais limitam a extensibilidade da coluna.
Daí que, até quando a coluna se acha numa posição neutra, o ligamento amarelo está sob constante tensão e pré-estressa o disco criando uma pressão interdiscal. É situação que se exacerba se estão presentes obesidade, hipotonia muscular, ou patologias degenerativas como espondilolistese, osteófitos, artrose etc, que produzem instabilidade da coluna vertebral e, por via reflexa, esse estresse mecânico sobrecarrega o ligamento amarelo e leva a lesões vertebrais e interdiscais.
Mas tudo isso é passível de avaliação. Cálculos simplificados das cargas em vários níveis da coluna podem ser feitos com o uso de técnicas de corpos livres para forças coplanares, obtendo-se informações de atividades mioelétricas dos músculos do tronco a partir de cargas na coluna ao nível de discos intervertebrais individuais, as quais, correlacionadas com os valores calculados para as forças de contração musculares, permite mensurar a pressão interdiscal.
Se um perito não desejar chegar a esse grau de sofisticação, pode ainda lançar mão do modelo biomecânico tradicional baseado nos momentos e forças do tronco, discorrido à exaustão por Don B. Chaffin.
O que não se admite, repita-se, é ficarem partes e juiz reféns da subjetividade pericial e da jocosa "ditadura do diagnóstico clínico".
REFLEXOS DAS CONCLUSÕES PERICIAIS NA SENTENÇA TRABALHISTA
Não bastasse a dificuldade que um laudo pericial deficiente acarreta para as partes, que se sentem impotentes para exercer o contraditório diante de fato inexplicado pelo perito judicial, a incorporação à sentença de uma conclusão pericial que exprime apenas a opinião pessoal do louvado permite argüir a nulidade da decisão, na medida em que a fundamentação desta é requisito essencial para a sua validade (art. 458-II do CPC).
A outra conclusão não se pode chegar, pois se ausente a demonstração analítica da elucidação do fato técnico controverso este vício inelutavelmente retirará da sentença a necessária fundamentação. Posto de outra forma, fundamentação judicial não haverá se sustentada sobre questão técnica deficientemente elucidada.
A deficiência dos exames periciais ainda não foi questionada aprofundadamente pelo judiciário, cujas decisões a respeito circunscrevem-se na maioria da vezes à discussão dialética da teoria das causalidades. O que não seria censurável se a prova pericial oferecesse material suficiente para tanto.
É alentador observar, no entanto, que alguns acórdãos vêm enfrentando incipientemente a questão, passo inicial para se esperar que no futuro os exames periciais tornem-se de fato técnica e cientificamente elucidativos.
Serve como exemplo o acórdão cuja ementa é transcrita a seguir, acompanhada de excertos que consideramos mais relevantes:
ACIDENTE DE TRABALHO. GARANTIA DE EMPREGO. DOENÇA DEGENERATIVA. AGRAVAMENTO. CONCAUSA. Devem ser classificadas as concausas conforme tenham se manifestado anteriormente, posteriormente ou concomitantemente ao acidente. Ainda que a doença de que seja portador o obreiro, nos termos do §1º, do art. 20, da Lei n. 8.213/91, em sentido amplo, constitua possível excludente de doença do trabalho, se restar comprovada a concausa não há como afastar o reconhecimento do acidente de trabalho e as respectivas conseqüências jurídicas.(...) Com efeito, relativamente às doenças ocupacionais há muitas variáveis a serem analisadas, cabendo à empresa provar que a doença causadora do afastamento do emprego tenha ocorrido por motivo hereditário/degenerativo ou que não possua nexo de causa ou concausa com as atividades realizadas na empresa.(...) É notório não se tratar de fato a constituir causa do mal de que acometido o autor, todavia, da mesma forma, indubitável é que, diante do quadro fático dos autos, o evento ocorrido representa uma concausa que por sua vez não pode ser ignorada.Nesse sentido, o eminente mestre Sebastião Geraldo de Oliveira em sua obra (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional – 2ª ed. -São Paulo: Ltr, 2006. p. 49): A primeira lei acidentária de 1919 só admitia o acidente do trabalho ou doença profissional originados de causa única; todavia, desde o Decreto-lei n. 7.036/44, passou a ser admitida a teoria das concausas. A legislação atual (Lei n. 8.213/91) tem previsão expressa a esse respeito:“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para os efeitos desta Lei: I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;”Ensina Cavallieri Filho que “a concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal qual um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal”.(...)No entanto, a aceitação normativa da etiologia multicausal não dispensa a existência de uma causa eficiente, decorrente da atividade laboral, que “haja contribuído diretamente” para o acidente do trabalho ou situação equiparável ou, em outras palavras, a concausa não dispensa a causa de origem ocupacional. Deve-se verificar se o trabalho atuou como fator contributivo do acidente ou doença ocupacional; se atuou como fator desencadeante ou agravante de doenças preexistentes ou, ainda, se provocou a precocidade de doenças comuns, mesmo daquelas de cunho degenerativo ou inerente a grupo etário.Note-se ainda, que este mesmo jurista classifica as concausas conforme tenha se manifestado anteriormente, posteriormente ou concomitantemente ao acidente. No caso em tela, tem-se que a doença de que é portador o autor, embora em sentido amplo, nos termos do §1º, do art. 20, da Lei n. 8.213 de 24-7-1991, constitua excludente de doença do trabalho, de outro giro, se restar comprovada a existência de concausa, o acidente de trabalho deve ser reconhecido com as suas conseqüências jurídicas.Portanto, nos termos da Súmula n. 378 do TST, constatada que, não obstante já existir uma doença, houve o agravamento como concausa do segundo afastamento, mesmo não sendo emitida a CAT pela empresa e gozando o trabalhador do benefício de auxílio doença comum, imperioso reconhecer o direito à estabilidade de que trata o art. 118, da Lei n. 8.213/91.
CONCLUSÃO
A prova técnica exige do perito judicial nomeado a apresentação da demonstração analítica das suas conclusões, nela incluídos o raciocínio percorrido e os meios técnicos e científicos de que se serviu, de modo a proporcionar às partes o direito ao contraditório e permitir ao juiz avaliar se ficará adstrito ao laudo (art. 436 do CPC) ou se determinará a realização de nova perícia (art. 437). Sem satisfazer aquelas condições, exame pericial não há, mas mera opinião pessoal de um profissional habilitado.
E se a sentença de mérito utilizar, como razão de decidir, conclusão pericial dissentida daqueles elementos, parece claro que por via reflexa estará viciada por ausência de fundamentação.
Dada a alta incidência de mesopatias nos dias atuais, o que tem acarretado aumento exponencial de litígios trabalhistas específicos, é imperioso que os operadores jurídicos no âmbito da justiça especializada voltem sua atenção para a qualidade técnica dos exames periciais e passem a exigir dos peritos judiciais uma adequada elucidação dos fatos técnicos controvertidos.
Especial atenção devem merecer as questões da "concausalidade" e do "agravamento", refutando-se veementemente conclusões periciais que não estiverem acompanhadas de esclarecimentos técnicos e científicos quanto a isto, não sendo demais exigir dos louvados, embora em sua maioria não sejam versados em Direito, uma exposição minudente das razões e circunstâncias que os levaram a concluir pelo existência ou não do nexo etiológico e, em caso de concausalidade, se é ela preexistente, sucessiva, simultânea concorrente ou simultânea alternativa.
Se lhes faltam suficiente conhecimento da Teoria da Causalidade Adequada, não é admissível que adentrem irresponsavelmente nos meandros do mundo jurídico lançando mão da "concausa", de maneira genérica, como escapismo para uma elucidação técnica ou científica que não estão aptos a apresentar ou a que se furtam por mero comodismo.
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