quarta-feira, 1 de junho de 2011

UMA LEITURA HERMENÊUTICA ACERCA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO – DESAFIOS E POSSIBILIDADES



Luciane Dalle Grave

    Com o atual constitucionalismo hoje existente, é indiscutível que o direito assimilou uma enorme carga de valores, principalmente morais, assumindo neste contexto papel importante os Princípios Constitucionais, que inevitavelmente incidem sobre toda a ordem jurídica, tanto em sua compreensão como em sua aplicação. Na visão pós-moderna do Direito, concebida sob o cânone democrático que estrutura o Estado atual, onde há um momento de ruptura paradigmática do monopólio estatal, não se admite mais o isolamento do Direito face à sociedade, suas necessidades e valores carentes de tutela, pois ele começa a absorver valores sociais e fundamentais e em torno deles vai se estruturando, vislumbramos uma saída da redoma inatingível em que permanecera por décadas, imbuindo-se com maior absorção nos ideais de justiça e a certeza de que somente existe para realizar um bem maior, que é servir a proteção de todo um corpo social.
    Nesta linha de raciocínio, nosso propósito é o de rediscutir alguns aspectos relevantes e sempre atuais das constantes reformas constitucionais dos direitos fundamentais sociais, acreditando que é possível a evolução do processo rumo a efetividade, buscando estruturá-lo como mecanismo hábil a realização da justiça, que pode se dar por intermédio da revisão de conceitos e normas a partir dos referenciais extraídos dos valores constitucionalmente amparados, voltados à proteção e realização das potencialidades humanas, oferecendo a ciência hermenêutica uma via ampla para a promoção dos fins sociais almejados.
    Desta forma, ganha força o papel dos intérpretes e aplicadores do Direito, que na sua função, constroem, a partir do ensejo dos textos legais com os valores que orientam todo o ordenamento jurídico, os comandos normativos. Para Osmar Fernando Medeiros[1], há muito tempo o magistrado deixou de ser mero aplicador de leis, pois constituição de 1988 “permite uma atuação mais política ao Judiciário, fornecendo-lhe os meios de compatibilização do Direito com a realidade social, o que permite, se observando com a devida cautela e interesse, a emergência devidamente reconhecida pela realidade constitucional”, pois a interpretação opera a mediação entre o caráter geral e o texto normativo e sua aplicação particular, operando sua inserção na vida.
    Então, neste contexto, insere-se a interpretação dos direitos fundamentais. Os métodos interpretativos tradicionais (gramatical, lógico, literal, entre outros), considerados isoladamente, são inadequados à interpretação dos direitos fundamentais, que pressupõe uma interpretação inclusive emancipatória: os direitos fundamentais que privilegiam o cidadão incluindo em uma sociedade democrática e plurarista. A interpretação dos direitos fundamentais deve ter por pressuposto a máxima eficácia das disposições constitucionais, contribuindo decisivamente para criar a “vontade da constituição” tão ausente em nossa sociedade, o que permite que se cometam absurdos contra a mesma.[2]
    Os direitos fundamentais, num sistema de controle judicial de constitucionalidade das leis, necessariamente estabelecem um confronto entre o juiz e o legislador. É certo que a superação das leis pelos direitos fundamentais obriga o juiz a se pautar por critérios objetivadores. Entretanto tais critérios não são capazes de permitir uma segurança absoluta na delimitação dos conteúdos que devem subordinar a lei.
    ALEXY busca distinguir uma concepção moral individual ou particular diante de uma concepção moral pública, afirmando que esta última envolve uma representação comum sobre as condições justas de cooperação social em um mundo caracterizado pelo pluralismo. Para tanto, fundando-se em RAWLS, conclui que o conteúdo dos direitos fundamentais está no que cidadãos racionais com concepções pessoais distintas consideram como condições de cooperação social justas “tão importantes” (consenso) que não podem ser deixadas nas mãos do legislador.[3]
    Ao afirmar a inadequação da lei a um direito fundamental, o juiz deve argumentar que a lei interfere sobre o bem que foi excluído da sua esfera de disposição. Não se trata simplesmente de opor o direito fundamental à lei, mas sim demonstrar, mediante adequada argumentação, que a lei se choca com o direito fundamental. Portanto, a afirmação do direito fundamental diante da lei deve significar oposição entre uma argumentação jurisdicional em prol da sociedade e a decisão tomada pelo legislativo. Trata-se, como diz ALEXY, de uma representação argumentativa a cargo da jurisdição em face de uma representação concretizada pela lei.
    Todavia, o controle judicial de constitucionalidade da lei se justifica quando juízes demonstram publicamente que seus julgamentos estão amparados em argumentos que são reconhecidos como bons argumentos, ou menos argumentos plausíveis, por todas aquelas pessoas racionais que aceitam a Constituição.
    O controle da lei a partir dos direitos fundamentais não significa que a jurisdição tem o poder de dizer que o legislador deve fazer, mas sim que a jurisdição tem o poder-dever de argumentar e convencer a sociedade quando surge a divergência sobre se a decisão do legislador se choca com um direito fundamental.
    O controle jurisdicional da lei e dos procedimentos judiciais se mostra plenamente legítimo quando se percebe que a jurisdição possui o dever de lançar mão de uma argumentação racional capaz de convencer a sociedade no caso em que aparece a desconfiança de que a decisão do parlamento toma assalto a substância identificada em um direito fundamental[4].



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